segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Era uma vez um blog onde eu escrevia coisas sobre a minha vida #5

Esta coluna é dedicada ao amor.
Não a ti, recém casado. Nem ao casal que está junto há 35 anos, nem à rapariga bem resolvida, nem a ninguém que não ande a fazer terapia.
Não. Esta coluna é dedicada às vítimas do amor.
Isto é para as pessoas que vão lembrar 2011 como o ano em que os seus corações foram arrancados, regados com gasolina e depois queimados numa fogueira crepitante.
Isto é para todos os indivíduos de coração partido que olham para 2011 como 365 dias de ininterrupta solidão, sem sequer uma série de argumentos violentos e irresolvidos como companhia.

Na verdade, isto é uma coluna sobre a Alemanha, disfarçada de coluna sobre o amor.
Ou melhor, é uma coluna sobre aquilo que os alemães nos podem dizer sobre o amor. Para além daquilo que a Alemanha já nos disse sobre inveja, ódio e intolerância, eles têm qualquer coisa a dizer sobre o amor. Acreditem em mim.
O, chamemos-lhe Otto, era alto, simpático e bonito mas de vez em quando tinha explosões de irritação vindas não sei de onde. Numa conversa sobre um româncista frances Michel Houllebecq, Otto disse-me enfurecido: Porque é que precisamos desse escritor de merda para nos dizer que a vida é uma merda? Até os não alemães que estavam presentes perceberam que a pergunta era retórica e baixaram as cabeças. Otto pediu desculpas e perguntou-me se queria ir jantar.

Durante o jantar, o Otto explicou-me o seu problema. Com lágrimas nos olhos disse-me que tinha sido deixado pela Marietta na segunda-feira. Não era apenas o amor da sua vida, também era sua colega: "Sempre que vou buscar um cappuccino ao bar ela está lá!"
Otto estava fora de si: "Diz-me o que fazer!". Depois disse:“Ich habe Liebeskummer.”
Ok, não é fácil traduzir a palavra liebeskummer para português e isso é porque, em Portugal, o conceito deixou de existir. O dicionário diz desgosto amoroso, ou saudades, mas isso só não chega. Com certeza que não podes anunciar aos teus colgas que lamentas não poder ir ao café essa noite porque estás com "saudades" de alguém. E isso é porque, sempre me pareceu, um coração partido já não é levado muito a sério hoje em dia.
Uma relação acabada é algo que deve ser seguida de imediato de bebidas, saídas e esquecimento.
A ideia de que a dor no peito não nos deixa sequer chegar à porta está completamente extinta.
Na Alemanha pelo contrário, liebeskummer é quase uma doença com sintomas reconhecidos. Lá, é aceite que liebeskummer implica palpitações, náuseas, comportamento irritadiço com tendência para gerar discussões, incapacidade de concentração e problemas de circulação.
Na Alemanha não tens de explicar que o facto de o teu amor te ter deixado levou a problemas de auto-estima e de confiança. A palavra liebeskummer diz tudo. Depois vai ainda mais além.
Liebeskummer é levado tão a sério que houve pessoas a tirarem dias do trabalho em seu nome. Diz a palavra liebeskummer e está assegurado que precisas entre 3 meses a 1 ano para voltares ao normal.
Era tão mais fácil se a palavra existisse em português. Uma simples palavra que implicitamente explica porque é que, na véspera do Ano Novo alguém prefere ficar em casa sozinho a ver o Música no Coração e a apreciar o próprio sofrimento.
Geralmente só se suporta esta condição porque se sabe que se está a sofrer de liebeskummer, e que o liebeskummer só dura no corpo uns quantos meses.
Assim que diagnosticares liebeskummer a questão que se levanta é saber o que fazer a seguir.
Os alemães não encontraram solução mas acho que eles lidam com os corações partidos melhor do que nós.

The New York Times

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